Instituto Crescer

Retrospectiva 2024 da Educação Brasileira

Se você termina este ano com a sensação de que pouco foi feito na Educação em nosso país, saiba que pessoas que acompanham de perto a área precisaram dividir sua atenção entre 15 projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional.

Alguns temas que estiveram em pauta: diretrizes para a educação em tempo integral, enfrentamento à violência no ambiente escolar, incorporação de educação e administração financeira no currículo da Educação Básica e a adoção de jogos eletrônicos educativos na prática pedagógica.

Os que acompanhei mais de perto e tive a oportunidade de opinar, por estarem mais conectados aos meus interesses pessoais e profissionais, foram: Plano Nacional de Educação (PNE); Estratégia Nacional de Escolas Conectadas (Enec); Novo Ensino Médio; Base Nacional Comum Curricular de Computação (BNCC de Computação); Regulamentação da IA para Educação; Banimento dos celulares do ambiente escolar; e Regulamentação do uso da Internet por crianças e adolescentes. E é sobre esses que discorrerei agora.

O ano de 2024 representou um fechamento de ciclo com o encerramento da primeira década da lei que estabeleceu o PNE, segundo o qual o país deveria perseguir uma série de metas para todos os níveis – da educação infantil à pós-graduação – sob pena de corte de repasses de verbas para Estados e municípios, em caso de não-cumprimento.

O resultado foi frustrante, porque apenas quatro das 20 metas foram parcialmente cumpridas e houve retrocesso em três. Ainda que consideremos o “quase cumprimento” de outras cinco das 38 submetas (os chamados dispositivos), conforme imagem abaixo, ficou evidente que o esforço precisava ter sido ampliado.

E foi nesse contexto, que o Poder Executivo apresentou, em 27 de junho, o Novo PNE para o período de 2024-2034, com metas mais ambiciosas e que, até o momento, segue em tramitação.

Diferente do plano anterior, no qual tínhamos 20 metas mais abrangentes e era deixado para Estados e municípios o detalhamento de sua implementação, o novo plano traz 18 objetivos e 58 metas que estabelecem prazos menores e objetivos mais específicos. Com foco em equidade, alfabetização, formação docente e cidadania digital, o novo plano traz metas de alcance de 75% para os 5 primeiros anos e de 100% até o final do décimo ano. Vejo como um caminho interessante e um ambiente mais controlado para acompanhamento dos resultados educacionais.

Aliás, no quesito cidadania digital, temos a Enec, lançada em setembro de 2023 com objetivo de universalizar e levar internet de qualidade – banda larga e wi-fi – para uso pedagógico a todas as escolas públicas, até 2026.

Ela se baseou no dado de 2022, quando 6,8% das escolas do país (em números absolutos 9,5 mil) estavam sem acesso à internet. A estimativa inicial era de que 138,3 mil escolas aderissem ao programa, que prevê ainda apoio para aquisição de novos equipamentos e a melhoria dos dispositivos que já fazem parte do inventário das escolas.

O ponto de partida desse esforço tem como foco criar condições para que professores e professoras possam educar com tecnologias digitais. Além do acesso à Internet, a estratégia nacional envolve a oferta de cursos online, um ciclo de seminários e oficinas com o objetivo de orientar as redes de ensino para implementação da educação digital e desenvolver as competências digitais dos profissionais de ensino.

Os materiais podem ser acessados em diferentes canais disponibilizados pelo Ministério da Educação, dentre eles o AVAMEC, a Plataforma Integrada MECRED e no próprio canal do Youtube da Estratégia Nacional Escolas Conectadas.

Como currículo a ser fomentado, o ponto de partida é a BNCC da Computação. O documento traz diretrizes sobre os aspectos a serem trabalhados com os estudantes em cada etapa de ensino. Descreve o currículo e uma série de competências e habilidades, organizadas em três eixos: cultura digital, mundo digital e pensamento computacional, a serem explorados de forma transversal ou disciplinar, a depender de cada Estado ou município, desde a Educação Infantil até o final do Ensino Médio. Esse complemento à BNCC tornou a inclusão das diretrizes obrigatórias, desde novembro de 2023.

Em julho deste ano, 48% das unidades de ensino ainda não tinham o monitoramento básico sobre a velocidade da conexão. Na maior parte das unidades acompanhadas a qualidade era ruim ou péssima.

Compondo o rol de estratégias para fomentar o uso de tecnologias digitais para fins pedagógicos, nas escolas públicas brasileiras, foi lançado o edital do programa BNDES FUST – Escolas Conectadas. Finalizado em agosto, o edital visa levar internet a 1.400 escolas, 76% delas localizadas no Norte e Nordeste – as regiões que apresentam os menores índices de conectividade no país. Em outubro, outro edital do Ministério das Comunicações que beneficia 16 mil escolas até 2026, antecipou a instalação de internet banda larga em 4,5 mil, ainda neste ano.

Esses dados revelam que estamos longe de alcançar os resultados desejados, mas avançando.

Na frente de trabalho relacionada à etapa final da Educação Básica, recordo as mudanças instituídas no Novo Ensino Médio ampliando as horas dedicadas às disciplinas tradicionais – para 2.400 horas (antes 1.800 horas) e diminuindo para 600 horas (antes 900 horas) a carga horária dos itinerários formativos.

A nova distribuição é: 70% do tempo focado na Formação Geral Básica (FGB) e 30% dedicado a itinerários formativos. Já defendi aqui como considero a nova proposta mais adequada e concreta, inclusive por prever diretrizes para os itinerários formativos, a serem elaboradas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) e a oferta de, pelo menos, 2 itinerários por escola.

Em agosto, o projeto foi para sanção do Presidente Lula que o aprovou retirando do texto o item que obrigava incluir os conteúdos do itinerário formativo no ENEM e fazer mudanças no processo seletivo. Se os itinerários formativos passam a ser complementares ao currículo explorado na FGB, então realmente não há a necessidade de sua inclusão, seria redundante.

Bastante pertinentes foram também os avanços em aspectos da educação digital. Mais especificamente em relação à Inteligência Artificial (IA), cujo projeto de Lei 2338/2023, o Marco da IA, foi aprovado no Plenário do Senado Federal dia 10 de dezembro.

Temos, agora, uma espécie de protocolo oficial a ser seguido sobre o uso de IA, o que é ótimo. Assim, evita-se que cada instituição de ensino tenha uma conduta própria sobre aceitar ou não trabalhos produzidos a partir da IA; permitir a professores gerarem conteúdo com a tecnologia; como lidar com direito autoral, ética; e vários outros aspectos de desenvolvimento e programação.

Até mesmo a Cúpula do G20 do Rio de Janeiro entrou em consenso sobre o tema e os líderes propuseram a criação de uma força-tarefa internacional para estabelecer parâmetros para a governança em IA.

Tivemos ainda o banimento dos dispositivos eletrônicos com acesso à internet em todas as escolas (públicas e privadas) do estado de São Paulo durante o período de aulas, incluindo intervalos, salvo se para uso pedagógico. A Lei estadual 293/2024 foi aprovada por unanimidade em novembro e projeto semelhante segue na comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados para abrangência em nível nacional.

Sou a favor do uso de celular com fins didáticos justificados para todas as faixas etárias, bem como por razão de acessibilidade e condições médicas, sempre com acompanhamento do professor. O celular é uma ferramenta com centenas de funcionalidades e recursos, mas também gera distrações e atrapalha a socialização, quando utilizado de forma desregulada.

Por fim, foi aprovado na Comissão de Comunicação e Direito Digital (CCDD) o Projeto de Lei 2.628/22, que visa garantir a proteção integral de crianças e adolescentes na Internet contra conteúdos inapropriados e riscos digitais. Ele foi inspirado em modelos internacionais, como a Lei de Segurança Online no Reino Unido e o Digital Services Act (DSA) na Europa e busca trazer para o Brasil uma regulamentação robusta.

Para promover a segurança digital, o PL avança na definição de contornos para o dever de cuidado devido pelas empresas fornecedoras de produtos e serviços digitais utilizados por crianças e adolescentes. Por exemplo, entre outros temas, discute-se a necessidade de sistemas de verificação de idade eficazes nas plataformas digitais, sem comprometer a privacidade dos usuários.

Muitas discussões ocorreram esse ano e decisões importantes foram concretizadas, sobretudo no que se refere à inclusão, formação e regulamentação do acesso e uso de tecnologias digitais, além do Plano Nacional de Educação e do Novo Ensino Médio.

Como recurso cada vez mais presente no nosso cotidiano e influenciando as dinâmicas instituídas na sociedade, inclusive a escolar, não poderia ser diferente: ela domina muitas das pautas em discussão.

Resta saber se todos esses pontos são suficientes para fomentar uma Nova Educação, mais conectada aos interesses dos estudantes e que os prepare para os desafios da contemporaneidade de forma ética e sustentável.

Na minha visão, são fatores  importantes, mas insuficientes. Uma Nova Educação, que colabore com o desenvolvimento de competências e habilidades cognitivas básicas, socioemocionais e digitais, baseada em princípios da sustentabilidade ambiental, social e econômica para que pessoas sejam capazes de enfrentar os desafios contemporâneos tem de envolver todo um ecossistema trabalhando integrado em prol de um objetivo comum.

Além de regulamentação e diretrizes, precisamos de:

  • Políticas públicas implementadas a partir de um planejamento estratégico, com metas bem definidas e avaliação periódica de resultados;
  • Lideranças políticas capazes de analisar resultados das avaliações, promover o diálogo para tomada de decisões e articular com diferentes atores em busca de melhores resultados;
  • Gestores escolares com um olhar atento para todas as dimensões que fazem parte da comunidade escolar e tomar as melhores decisões;
  • Educadores bem remunerados, formados e motivados capazes de envolver os alunos em processos de aprendizagem significativa;
  • Pais e familiares envolvidos, que prezam por um ambiente familiar sadio, demonstram interesse e acompanham a vida das crianças e adolescentes sob sua responsabilidade;
  • Comunidade de entorno que reconhece a política educacional do município como sendo de qualidade, participa e apoia as ações estratégicas;
  • Empresariado local articulado, que investe na educação e abre suas portas para que jovens possam desenvolver competências relacionais e laborais;
  • O aluno que vê sentido no seu processo formativo, se sente seguro, motivado e desenvolve todo seu potencial.

Como não atingimos as metas estruturantes do último PNE, para que avanços mais significativos ocorram, não basta buscarmos um investimento de 10% do PIB, mas investir e fortalecer a gestão das redes e das escolas, em busca de excelência.

O ano de 2024 foi o da regulamentação. Que 2025 seja o das realizações em prol de uma Educação de qualidade com equidade. Precisamos acreditar!

*Luciana Allan é Doutora em Educação pela USP e diretora técnica do Instituto Crescer, onde há mais de 20 anos lidera projetos nacionais e internacionais na área de educação.

Expertises: Educação, Tecnologia
Redes Sociais: https://www.linkedin.com/in/luciana-allan/


Este é artigo publicado originalmente em Exame.com. Leia em https://exame.com/colunistas/crescer-em-rede/retrospectiva-2024-da-educacao-brasileira/